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60 anos da ditadura - ADUNEB sedia atividade sobre a luta pela memória dos mortos e desaparecidos



 Na semana em que se completou o marco histórico de seis décadas do início de um dos períodos mais trágicos da história do Brasil, o auditório da ADUNEB recebeu a Roda de Conversa “60 anos da Ditadura Fascista-Militar –  A luta pela memória dos mortos e desaparecidos”. A atividade, prestigiada por dezenas de estudantes, aconteceu na quarta-feira (03) e teve como convidada/os a publicitária e irmã de vítima da ditadura, Sônia Maria Haas; o historiador do IFBA, Alex Ivo; e o historiador e Coordenador do setor jurídico da ADUNEB, Sérgio Guerra. A mediação foi do advogado e professor Carlos Freitas. A seção sindical apoiou o evento, que teve como realizadores a UNEB e o Grupo Tortura Nunca Mais – BA. O ex-preso político da ditadura Arno Britcha também prestigiou o evento. 

Dados do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investigou crimes cometidos pelo Estado brasileiro, de 1964 a 1988, apontam 434 mortos e desaparecidos políticos. Porém, de acordo com pesquisadores, os números estão muito abaixo da realidade, fato que ocorreu possivelmente pelo pouco tempo destinado ao trabalho da Comissão (de 2012 a 2014). Embora a ditadura tenha acabado em 1984, as pesquisas se estendem até o ano de 88, pois o governo de José Sarney é compreendido como um período de exceção, em que se buscava a consolidação da democracia.

Os números oficiais da CNV apontam apenas 41 camponeses entre os desaparecidos e mortos. Porém, pesquisas do ex-preso político e docente colaborador da UnB, Gilney Viana, evidenciam que o Golpe de 64 matou ou desapareceu com 1.654 camponeses. Da mesma maneira, o relatório da CNV mostra a morte de, pelo menos, 8.350 indígenas no período militar. Porém, apenas dez povos foram pesquisados, o que corresponde a apenas 3,3% das 305 comunidades indígenas em território brasileiro. Tais dados sinalizam o quanto a ditadura militar foi ainda mais trágica do que mostram os apontamentos oficiais.
Mediador Carlos Freitas e conviada/os Alex IvoSônia Maria Haas e Sérgio Guerra

Luta por reconhecimento e memória

Publicitária e irmã de desaparecido político, Sônia Maria Haas trouxe para roda de conversa, na ADUNEB, a amarga experiência de até hoje não ter conseguido oferecer um enterro digno ao seu irmão. Gaúcha de nascimento, mas residente na Bahia há 21 anos, quando ocorreu o golpe militar, em 31 de março de 64, ela tinha apenas cinco anos. Em 1969, período em que estava vigência do Ato Institucional Nº 5, momento mais drástico da ditadura, seu irmão João Carlos Haas Sobrinho deixou de se comunicar com a família e tornou-se mais um desaparecido político. Tempos depois, Sônia e sua família tiveram o conhecimento que João Carlos havia sido um dos líderes da Guerrilha do Araguaia, um dos principais focos de resistência contra a ditadura no país. 

Em depoimento à reportagem, Sônia queixou-se da falta de acolhimento e atenção da União com os familiares das centenas de mortos e desaparecidos políticos, pessoas que tiveram as vidas ceifadas pelo Estado enquanto lutavam por um país justo e democrático. Somente em 2019, houve a retificação do atestado de óbito de seu irmão, enfim reconhecendo a morte devido à violência do Estado. 

A publicitária explicou que, em 1995, familiares e amigos das vítimas conquistaram o Decreto de Lei 9.140/95. “Essa lei nos forneceu Certidão de óbito aos (mortos) que constavam na lista do livro ‘Brasil nunca mais’, organizado por Dom Paulo Evaristo Arns. Contudo o texto era assim: fulano foi morto de causa desconhecida, local desconhecido. Então, ficamos com isso engasgado”. Depois, apenas em 2019 é que veio a conquista definitiva. “Com a atuação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, numa luta travada pela então presidenta, Dra Eugênia Gonzaga, alcançamos o direito de retificar as certidões de óbito. Agora, consta: “morte não natural, causada por violência do Estado, presumidamente em tal data”. Naquele mesmo ano, Eugênia Gonzaga foi exonerada pelo presidente Jair Bolsonaro, que impôs a interrupção dos processos de reconhecimento. “Muitas famílias não receberam ainda (a certidão de óbito)”, lamentou Sônia Haas.

Incansável, a irmã de João Haas afirmou que permanece a luta pelo direito a um sepultamento digno. “Mesmo que estejamos cansados, exaustos de lutar, o direito existe e não vamos perdoar a União por esse crime de lesa humanidade. Meus pais faleceram ainda sonhando em poder dar um sepultamento digno a seu filho”. Sônia afirmou não se sentir acolhida pela União. “Existe um temor instalado em relação ao tema, existe uma falta de respeito às famílias, e uma falta de vontade política de escrever a história como ela ocorreu. Isso faz com que o Brasil seja o único país da América Latina onde impera a impunidade. Lastimavelmente, o governo atual ainda não reinstalou a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos”, finalizou.
 
Público atento durante fala do ex-preso político da ditadura Arno Britcha
 
Garantia da democracia

Na roda de conversa o professor Sérgio Guerra fez um depoimento sobre a sua ativa participação no processo de resistência à ditadura militar de 64. Militante histórico da esquerda baiana, além das memórias dos anos de chumbo, ele fez questão de lembrar à reportagem sobre a necessidade da constante luta pela garantia da democracia, sobretudo no atual cenário político contemporâneo. “Recentemente nós vivemos a possibilidade ou melhor dizendo, uma tentativa de um golpe semelhante, após a saída de Bolsonaro do governo”. 

Quanto à continuidade do processo de reconhecimento do país, aos mortos e desaparecidos políticos, Guerra se mostra otimista a partir do atual Governo Federal. “Uma coisa é o governo Bolsonaro, outra coisa é o governo Lula. Obviamente o governo Lula é a esquerda assumindo parcela do poder. Há um acolhimento, há necessidade de se estudar, de deixar bem claro todo esse processo”, finalizou o professor.