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5º ATL Bahia mostra a força e o poder de organização dos povos indígenas



 Com a presença de aproximadamente 1.500 indígenas de 30 etnias diferentes, localizadas em todo o Estado, o 5º Acampamento Terra Livre (ATL) Bahia, realizado de 12 a 16 de junho, foi considerado um sucesso pelas/os organizadoras/es. Instalado em um terreno do Centro Administrativo da Bahia, em Salvador, a atividade foi o maior ATL estadual do ano, ficando atrás apenas do evento nacional, ocorrido em Brasília no final de abril, que recebeu 6 mil indígenas. 

Avaliado como um fundamental espaço de articulação política, de união e fortalecimento da resistência entre as etnias, o ATL Bahia teve a participação de inúmeros caciques e outras lideranças indígenas. Além disso, contou com o apoio dos governos estadual, federal, da Assembleia Legislativa baiana, de universidades públicas e, ainda, de diversas entidades, entre elas a ADUNEB, que apoia as pautas progressistas e reconhece a importância e os direitos dos povos originários.

Para o Coordenador Geral do ATL Bahia e do Movimento Unidos dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (MUPOIBA), Agnaldo Pataxó Hãhãhãe, a reafirmação da união entre os povos indígenas foi um ponto importante da atividade. “Valorizamos muito a aliança da nossa gente. Aqui são mais de 1.500 pessoas, todas se articulando, conversando e fazendo alianças, reafirmando nossas pautas e montando estratégias para enfrentar tudo o que tem de ruim contra nós”. Segundo o Pataxó, durante o acampamento as pautas dos povos indígenas foram dialogadas com representações dos Ministérios Público Federal (MPF), de Planejamento e Orçamento (MPO), dos Povos Indígenas (MPI), FUNAI, Secretaria de Saúde Indígena (órgão ligado ao Ministério da Saúde), Defensoria Pública Estadual (DPE), além de todas as secretarias estaduais do Governo da Bahia.
 
Agnaldo Pataxó Hãhãhãe em uma das reuniões no ATL Bahia

Demonstração de força

Segundo a professora Maria Geovanda Batista, Coordenadora do Núcleo de Estudos Interculturais e da Temática Indígena (CEPITI), do Campus da UNEB de Teixeira de Freitas, o expressivo número de indígenas e de entidades participantes foi uma demonstração de força da Bahia indígena. “Tivemos a participação de uma parte significativa da sociedade civil organizada que apoia os povos indígenas, que defende a causa indígena, que defende a demarcação de seus territórios. O ATL sai com um grande saldo positivo, que é a de promover a união para gerar a energia necessária para continuar existindo e, mais ainda, conquistando as bandeiras históricas de luta do movimento indígena, sobretudo a demarcação das terras”.

Não ao Marco Temporal

Uma pauta debatida em todos os espaços do ATL Bahia foi o combate ao Projeto de Lei (PL) do Marco Temporal. Aprovado na Câmara dos Deputados em 30 de maio, agora o PL será votado no Senado. Caso aprovada, a nova lei reconhecerá como terra indígena apenas aquelas que estavam em posse dos povos originários até a data da promulgação da Constituição de 1988. A tese ignora o direito constitucional das comunidades indígenas ao território e favorece ruralistas e demais empresários que exploram, entre outras atividades, o agronegócio, a mineração e o turismo com impacto ambiental.

Presente no acampamento, o Cacique Babau, uma das principais lideranças nacionais do povo Tupinambá, fez um desabafo sobre o Marco Temporal. Referindo-se aos parlamentares que defendem o PL, afirmou: “Não reconhecem a história do próprio Brasil. Querem roubar a nossa existência. Mas nós somos o Brasil e aqui é terra universalmente garantida, indígena e sempre vai ser. Não será o Marco Temporal que irá revogar isso, porque eu sou Tupinambá. Sou da maior nação que pertence ao povo Tupi deste pais”.
 
Protesto realizado durante o ATL Bahia. Passeata ocupou a Avenida Paralela

Indígena, pesquisadora do Opará - Centro de Pesquisas em Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, da UNEB de Paulo Afonso, e Co-coordenadora Geral do MUPOIBA, Patrícia Pankararé, também relatou a importância da luta pela terra. “Para o acampamento (ATL Bahia) trouxemos na pauta toda a nossa demanda territorial. Ninguém luta sem casa. A partir da nossa luta pelo território é que estamos aqui pautando o governo estadual. Trouxemos todas as nossas lideranças, nossa juventude, mulheres e crianças para juntos pautarmos as temáticas da saúde, da educação e da juventude indígena”, explicou a professora.

De acordo com pesquisas do IBGE – Censo 2022, a segunda maior população indígena do país está localizada na Bahia. Porém, cerca de 70% dessa comunidade ainda vive fora das áreas demarcadas. Segundo as lideranças ouvidas pela reportagem, entre outros fatores, o fato ocorre devido ao grande atraso nas demarcações das terras.

Reparação histórica

A sexta-feira (16), último dia do ATL foi marcado por um momento de reparação histórica. Com a tenda central do acampamento repleta de emoção, a jovem Rutian Pataxó foi empossada como a primeira ouvidora-adjunta indígena da Defensoria Pública da Bahia. Vários discursos de lideranças indígenas e autoridades frisaram a conquista como fruto das políticas públicas oriundas das lutas dos povos originários. 
 
Rutian Pataxó - A nova integrante da Ouvidoria Pública durante o discurso de posse

Durante seu discurso, a nova integrante da Defensoria Pública ressaltou que o novo espaço oferece visibilidade e apresenta-se como ferramenta de luta à causa indígena. “A Ouvidoria agora é um pouco de cada uma de nós, é a nossa casa também. Eu sempre me coloquei à disposição e agora não será diferente, para acolher também as demandas, as reclamações e os anseios da população indígena”, encerrou Rutian, que tem graduação em Economia e especialização em Direitos Humanos.