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A Reforma na Previdência do servidor na Bahia e as lições de Maquiavel



 A tentativa de análise do episódio da reforma no Regime Próprio de Previdência do Servidor (RPPS) na Bahia remete ao grande pensador Nicolau Maquiavel em virtude de ele ser considerado o inaugurador da vertente realista em política, expondo o objetivo do príncipe em conquistar e manter o poder. Poderíamos acrescentar, em ampliar o poder e alçar novos voos na política.

Convencionou-se dizer que Maquiavel criou um verdadeiro manual de estratégias e métodos sobre como os governantes deveriam se comportar  nessa direção ao defender o absolutismo e ações duras e austeras por parte de um governante. No sentido oposto, este texto versa sobre os perigos de atos tirânicos no nosso tempo.  
 
O governo da Bahia não tem hesitado em adotar medidas políticas frontalmente contrárias aos propósitos daqueles que o elegeram e, sobretudo, ao longo de décadas, construíram uma perspectiva de governo de esquerda no Estado. O governador não se constrange com sua postura autoritária, mesmo tendo construído sua imagem defendendo a participação popular e a defesa dos direitos dos trabalhadores. Aposta na incompreensão de suas estratégias por seus eleitores, como se estes fossem súditos politicamente inábeis.
 
Nessa perspectiva, entre outras medidas impopulares para a educação, como o contingenciamento de recursos, retirada da autonomia das universidades, desrespeito aos direitos dos trabalhadores dos serviços públicos de modo geral, modifica, em alinhamento com a política neoliberal e fascista de Bolsonaro, o Regime Próprio de Previdência do Servidor. 
 
A gestão do Governador Rui Costa, após aumentar a alíquota previdenciária em 2018 e impor todas as mazelas ao funcionalismo público na reforma previdenciária realizada em janeiro de 2020, ainda considerou possível conferir novas perdas na aposentadoria e pensão do/a servidor/a baiano/a, dessa vez sob o discurso de que se trata apenas de regulamentação da nefasta reforma, sem prejuízo para os servidores/as. Surpreendentemente, acharam formas para piorar o que já era péssimo.
 
A narrativa sedutora de que o cálculo de aposentadoria a partir dos últimos dez anos de contribuição favorece o/a servidor/a cai por terra quando retira da Constituição Estadual a fixação das parcelas dos proventos incluídos nesse cálculo (subsídio, vencimento, vantagens pecuniárias permanentes do cargo, adicionais de caráter individual e vantagens pessoais permanentes) e transfere para “lei específica as gratificações e vantagens percebidas pelo servidor”. Significa que os adicionais sobre o salário das respectivas carreiras serão definidos em lei ordinária, facilitando a possibilidade de diminuí-los ou até retirá-los. Assim, o que seria vantajoso em uma equação simples deixa o servidor/a à mercê do Executivo e Legislativo, que têm a tendência de retirar direitos do funcionalismo público. Podemos afirmar a partir de análise criteriosa e não apenas de convicção: aqui se instala uma insegurança jurídica para esses/as trabalhadores/as.
 
Outro aspecto que deve ser refletido é relativo ao aumento progressivo da alíquota para os servidores/as em geral, já aumentada em 2018. Além de possibilitar aumento no percentual, este dispositivo ainda traz um novo elemento muito prejudicial aos servidores/as, que é a possibilidade de contribuição extra caso haja déficit na previdência. Desse modo, a partir da convicção de déficit, pode ser desencadeada contribuição extra. E é sabido que o governo já adotou um conjunto de medidas que compuseram a  reforma de 2020 sem provar que há déficit, dado que a Bahia não tem unidade gestora para realizar estudos atuariais e, portanto, não tem como definir a contribuição necessária para garantia dos benefícios previdenciários e manutenção do equilíbrio financeiro do sistema. 
 
É importante ressaltar que um desequilíbrio é imposto ao RPPS quando o Estado, ao invés de contratar novos servidores através de concurso, contrata-os pelo sistema REDA. Entre os estados brasileiros, a Bahia tem um dos maiores índices de contratação pelo sistema REDA, deixando de arrecadar para o RPPS, cuja lógica é de pacto de solidariedade entre gerações, ou seja, a manutenção dos aposentados e pensionistas através da contribuição dos mais jovens. Dessa forma, o FUNPREV, inevitavelmente, terá déficit previdenciário a partir da adoção dos sistemas que o sucede, capitalizados, que modificam a lógica pública do sistema para a lógica de mercado.
 
Vale acrescentar que o governo atualmente executa de forma ilegal a contribuição de aposentados e pensionistas e que a emenda constitucional e a lei que foram aprovadas pela Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) também preveem o aumento progressivo da alíquota previdenciária e a contribuição de aposentados e pensionistas, que hoje é executada de forma ilegal. A partir de agora, inclusive, haverá contribuição para aqueles cujos proventos ultrapassem um salário mínimo.
 
Um aspecto estarrecedor é o fato de vários parlamentares que votaram nessas medidas corroborarem a justificativa do governo de que não há prejuízos para os servidores/as e, ainda (pasmem!) que são benéficas. Podemos ter a convicção, sem provas de fato, de que eles/as decidem pautas cruciais para a vida de milhares de famílias sem ao menos reconhecer os impactos de suas decisões. Isto pode ser afirmado porque o exíguo tempo entre a apresentação da emenda constitucional e a sua votação na ALBA não lhes permitiu análises com a profundidade necessária. As várias análises que estavam sendo realizadas pelas assessorias jurídicas do movimento sindical não tiveram o tempo necessário para avançar para propostas de modificação do texto.
 
Pelas razões aqui expostas, buscamos na teoria política de Maquiavel, que reflete uma política não democrática, o entendimento da política baiana atual, sobretudo quando o texto desse pensador afirma que um governante deve tomar medidas ofensivas de uma só vez e que medidas benéficas devem ser tomadas aos poucos. Logo, os fins justificam os meios para aqueles que preferem ser temidos a serem amados. Maquiavel dedicou-se à explicação e compreensão do estado, política e homens de estado como estes são na realidade. 
 
No caso em análise, poderíamos afirmar que, ao tempo em que o governo seduz com medidas mais progressistas acerca da pandemia da COVID-19, também aproveita o momento para passar a boiada? Podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que o Executivo e o Legislativo baianos foram maquiavélicos em relação à primeira e a essa segunda reforma no Regime Próprio de Previdência do Servidor (RPPS).

Coordenação Executiva ADUNEB