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Aumento do feminicídio no Brasil mostra a necessidade de ampliação da luta contra o machismo



 Em um relacionamento amoroso há dois anos, Isabela Conde nunca poderia imaginar que receberia 78 facadas a mando do próprio parceiro. O crime aconteceu em 28.02. A vítima ainda foi jogada no acostamento da BR-324, próximo a Simões Filho (BA). Ela só sobreviveu porque se fingiu de morta. Segue em tratamento intensivo. Em Salvador, durante o carnaval, além de duas tentativas de feminicídio, aconteceram seis casos de estupro, sendo três adultas, duas crianças e uma adolescente. Os dados são da Secretaria de Políticas para Mulheres. Os altos números de violência contra a mulher, principalmente de feminicídios, diante do atual cenário político conservador e de retrocessos, preocupam as ativistas e necessitam ser combatidos.

Segundo o Tribunal de Justiça da Bahia, apenas no mês de janeiro deste ano, ocorreram em todo o estado 14.973 denúncias de violência contra a mulher. No mesmo período do ano passado foram 12.012 registros, um aumento de 24,6%. Somente em Salvador, de acordo com a fonte acima, no mesmo mês de janeiro foram 980 ocorrências, o que corresponde a um crime de violência a cada 45 minutos.

Em todo o país, até o dia 22 de fevereiro, ocorreram 285 denúncias de feminicídio, sendo 176 assassinatos e 109 tentativas, o que representa cerca de 5 casos por dia. Em 2017, no mesmo período, as ocorrências representavam 3 casos diários. O balanço foi divulgado em nota do ANDES-SN.

No início de fevereiro de 2019, a partir da violência alarmante no país, a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH), divulgou nota à imprensa em que manifesta a preocupação. "A Comissão clama o Estado brasileiro a implementar estratégias abrangentes para impedir esses atos e que cumpram sua obrigação de investigar, processar e punir os responsáveis, bem como oferecer proteção e reparação integral a todas as vítimas", declarou a CIDH.

Militante feminista e uma das articuladoras do Movimento 8M em Salvador, Lilian Marinho, analisa que a maior parte dessas mortes está relacionada à ineficiência do Estado brasileiro, que tem feito muito pouco para conter o avanço da violência. Lilian ressalta a importância da criação da Lei do Feminicídio, sancionada por Dilma Rousseff, em 09 de março de 2015. Antes, essas mortes eram tratadas como crimes comuns e descontextualizadas da violência social contra as mulheres. “Essa lei expressa a luta do feminismo para dar visibilidade a essas mortes”, comenta a feminista, que também é uma das coordenadoras da ADUNEB. A professora lembra que no bojo desse crime de ódio também estão incluídas as mulheres trans e lésbicas, o que denota a forte relação dos crimes com as questões de gênero.
 
Luta cultural

Para Vilma Reis, ouvidora-geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia, o país ainda tem pouca atenção à violência contra a mulher porque culturalmente temos uma sociedade que aceita a violação dos direitos das mulheres, com a manutenção secular do privilégio masculino. “O patriarcado enraizou na sociedade a mulher em papel de segunda categoria. Em ações coletivas, em rede, junto com os movimentos sociais temos que enfrentar essa questão”, afirma. Ainda de acordo com Vilma, é necessário que o país ultrapasse a barreira do Estado apenas punitivista. Primeiro são necessárias a prevenção e a garantia dos direitos das mulheres, que compreendem desde a iluminação pública para a segurança, passando pela garantia de creches até o sistema de justiça. “Independente de em qual porta da justiça a mulher peça ajuda, esse sistema precisa atendê-la. Mas muitas vezes isso não acontece”, comenta a ouvidora. 

Papel da universidade

Vilma Reis já foi professora da Uneb, do Campus de Seabra. Baseada na abrangência da Uneb em todo o estado e sua importância social, ela comenta que o conjunto dos campi deveria articular políticas de gênero voltadas para dentro da universidade. O intuito seria superar as desigualdades. “A vida das mulheres continua sendo banalizada, demarcadas por gênero e raça. Em nossa luta a Uneb é fundamental, pois produz conhecimento”. Vilma reforça que o debate tem que ocorrer por dentro e por fora da universidade. 

Muito a caminhar

Na Bahia o problema do machismo institucional é observado, por exemplo, no baixo número de Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM). Até o início de 2018, apenas 36 DEAMs atendiam os 417 municípios do estado. Em toda a Bahia existem apenas três Casa Abrigo às mulheres vitimadas, que só existem como fruto de muita luta e resistência da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Tal dispositivo é constituído por instâncias governamentais, do sistema de justiça e representações da sociedade civil.

8 de Março nas ruas

O Movimento 8 de março, conhecido como 8M, é internacional. Hoje, milhares de mulheres ocupam as ruas e, de maneira irreverente, mostram sua força e reivindicam suas pautas. Em Salvador, a concentração do ato acontece na Praça da Sé, às 13h. Mais de 60 organizações de mulheres estão envolvidas na sua construção. O ano de 2017 é visto como um marco para os Movimentos Sociais, que sentiram a necessidade de organizar um ato que refletisse a energia, luta e pluralidade de seus espaços de militância.