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ENEM como propaganda governamental

Roberto Boaventura da Silva Sá*

Um grande problema é sempre porta aberta a outros tantos. Após ter dado chabu no ENEM, verifiquei todas as questões das provas do Exame Nacional do Ensino Médio. Resultado: além de tudo, o ENEM é propaganda de governo; há questões elaboradas apenas para esse fim. Depois de Getúlio e dos militares que golpearam o país em 64, o atual e autoritário governo é o que melhor usa a propaganda; pretende se perpetuar no poder. Assim, onde menos se imagina há propaganda. Às provas.  

Começo pela prova de Linguagens. Vejam o enunciado da questão 03: “A maioria das declarações do imposto de renda é realizada pela internet, o que garante maior eficiência e rapidez no processamento das informações. Os serviços oferecidos pelo governo via internet visam”. O candidato deveria responder: “facilitar e agilizar os serviços disponíveis”. Não parece brincadeira? Não é cara de pau?

Agora, olhem a questão 30, enaltecendo ação do Ministério da Saúde (MS): “As imagens seguintes fazem parte de uma campanha do MS contra o tabagismo”. Na sequência, as fotos são aquelas que os fumantes veem nos maços de cigarro.

Por sua vez, na prova de Matemática, a questão 62 invoca a Petrobrás. Leiam parte do enunciado: “...Estima-se que no Brasil, a cada ano, sejam descartados 20 milhões de pneus usados. Como alternativa para dar uma destinação final (sic.) a esses pneus, a Petrobrás, em sua unidade de São Mateus do Sul-PR, desenvolveu um processo de obtenção de combustível a partir da mistura dos pneus com xisto...”.

Já na prova de Ciências Humanas, a 57 também faz propaganda do MS. De posse de uma tabela daquele Ministério, conforme o enunciado – “a respeito da redução da taxa de mortalidade infantil em cada região brasileira...” –, o aluno deveria assinalar esta alternativa: “a região Norte apresentou a variação da redução da mortalidade infantil mais baixa, tendo em vista que a vastidão de sua extensão e o difícil acesso a comunidades isoladas impedem a formulação de políticas de saúde eficazes”. A resposta acima isenta o governo de responsabilidades com os moradores de regiões longínquas.

Na questão 74, lê-se: “No Brasil, entre 2001 e 2007 a renda per capita dos mais pobres cresceu substancialmente...”. Isso é propaganda implícita de governo. Só pra contrariar, recente pesquisa aponta o Brasil como um dos países mais desiguais do planeta. Pior: ainda perdeu quatro posições no ranking mundial, em recente pesquisa.

Cinco questões adiante – 79 – outra referência ao MS, tentando mostrar suposta força política de sua atuação. Vejam o enunciado: “O Ministério da Saúde disse em audiência pública em 2009 que é justo acionar na Justiça o gestor público que não provê, dentro de sua competência e responsabilidade, os bens e serviços de saúde disponibilizados no SUS. Mas observou que a via judicial não pode se constituir em meio de quebrar os limites técnicos e éticos que sustentam o sistema...”

Da prova de Ciências da Natureza, destaco duas questões. Na 10, escancara-se propaganda do etanol. O disfarce de acadêmico se deu assim: “...a reciclagem do óleo de cozinha, além de necessário, tem mercado na produção de biodiesel...” De uma formulação, pedia-se a seguinte resposta: “utilizar o óleo para a produção de biocombustíveis, como o etanol”. Lembram-se das viagens de Lula, mundo à fora, para vender esse produto? Isso é propaganda eleitoral camuflada. O ENEM é para isso? Ficaremos calados?

Por ser implícita, a 45 é mais perversa: “Uma estudante que ingressou na universidade e, pela primeira vez, está morando longe de sua família, recebe sua primeira conta de luz...”. Este enunciado aciona na mente de muitos concorrentes a possibilidade de passar no próprio ENEM e residir em outra cidade. Essa idéia foi “vendida” pelo MEC para impor o ENEM. Isso é desleal.

Bem, hoje é dia do professor. Lamento que colegas se prestem a tarefas como a elaboração desse tipo de provas e coisas parecidas. Em contrapartida, cumprimento os profissionais que não jogaram no lixo a perspectiva crítica da existência e que acreditam, apesar dos governos, numa educação de qualidade a todas as gerações de brasileiros. No próximo artigo, voltarei a atacar o ENEM. É preciso.

* Dr. em Jornalismo/USP. Prof. de Literatura da UFMT. rbventur26@yahoo.com.br