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Entrevista com Ciro Correia - presidente do ANDES-SN sobre o 54 CONAD

Imprensa – Na sua opinião, como os movimentos sociais ligados à universidade pública devem se posicionar neste momento de crise econômica?

Ciro Correia – Num momento de crise como este, os movimentos sociais e sindicais devem estar atentos para que o serviço da universidade não seja utilizado em direção dos que têm poder econômico na sociedade, mas, ao contrário, mantenha a universidade na concepção defendida pelo ANDES-SN: como universidade pública, com o papel de construir conhecimento novo, de preservar a cultura, de fazer que a educação no nível superior seja para toda a população e na perspectiva do desenvolvimento geral da sociedade.
 
Imprensa – Diante dessa situação, quais eram as principais tarefas do Conad?

Ciro Correia – As principais tarefas do Conad eram descobrir com que medida e quais ações poderiam contribuir para construir a luta global dos que na sociedade não estão de acordo com esse modelo [econômico], dos que estão sofrendo as conseqüências da crise, e também em que se precisaria reavaliar e aprimorar o plano de lutas do ANDES-SN para atender às demandas específicas e defender as condições de trabalho nas universidades federais e estaduais públicas e nas do setor privado.
 
Imprensa – Quais são essas prioridades?

Ciro Correia – As prioridades do movimento docente hoje são justamente as formas de se contrapor às principais políticas que o governo tem proposto no campo da educação que atingem os três setores da educação superior que o ANDES-SN representa de forma negativa ao não investir com financiamento suficiente, ao mexer na estrutura de carreira e nos direitos trabalhistas no sentido de precarizar as relações de trabalho. Isso passa por mecanismos, como a recente lei da malha salarial dos professores das universidades federais que foi objeto de negociação com o governo por setores de dentro da universidade que não se colocam na defesa da categoria, mas sim na perspectiva de implantar na universidade as propostas governamentais que não nos interessa.
 
NEGOCIAÇÃO COM GOVERNO INSTITUI PERDA SALARIAL

Imprensa – O que aconteceu com a malha salarial dos docentes na última negociação?

Ciro Correia – Na última “negociação” (entre aspas), na qual o Andes participou até um certo ponto e depois foi alijado do processo pelo governo justamente porque só estava disposto a negociar aquilo que tinha sido aprovado pela categoria, mais uma vez se precarizou a estrutura de carreira e a grade salarial, transformando o vencimento básico num percentual ainda menor da remuneração dos docentes.
 
Imprensa – Essa negociação com outra entidade é mais uma das intervenções que o governo tem feito nas universidades e faz parte da reforma universitária?

Ciro Correia – O governo tem feito uma intervenção muito grande nas universidades por meio de várias propostas de leis, portarias e decretos já editados que, no conjunto, constituem aquilo que o governo apresenta para a sociedade como reforma universitária, o que, na verdade, é uma contra-reforma, porque não ajuda a construir a universidade que defendemos. Pelo contrário, procura fracionar a organização da universidade, atribuindo diferentes características a diferentes instituições de ensino superior, procurando introduzir políticas que permitam o alijeiramento de grades curriculares e de estruturas de cursos para que a universidade deixe de cumprir o seu papel, que é o defendemos, de trabalhar na indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão, produzindo conhecimento novo, dando uma formação sólida, consistente e crítica aos seus alunos, e passe a funcionar apenas como escolas de terceiro grau, nas quais se dê uma formação complementar à formação do ensino médio para que rapidamente a pessoa tenha um título e se adéqüe às exigências mais imediatas do mercado de trabalho, o que atende aos interesses de setores específicos do capital e não ao interesse da sociedade como um todo, que é o de ter nas diferentes áreas de conhecimento pessoas com formação sólida, crítica e que permita o desenvolvimento social e não o atendimento às demandas específicas e circunstanciais dos setores do mundo econômico-financeiro.
 
POLÍTICAS MERCANTILISTAS E REPRESSÃO AOS MOVIMENTOS

Imprensa – O Andes classifica as políticas do governo de precarizantes, mercadológicas e privatizantes e tem denunciado isso. Qual o caminho que 54º Conad propõe aos docentes para impedir o avanço dessas políticas?

Ciro Correia – O de organizar a nossa contraposição à interferência do governo nas estruturas de carreira no sentido de sua precarização, estabelecer as formas de luta pelas nossas reivindicações por mais financiamento para a educação, estabelecer as nossas formas de luta no sentido da garantia dos direitos sociais ainda inscritos na Constituição Federal de 1988, que o governo cada vez mais procura flexibilizar, como, por exemplo, o direito de greve, impedindo greves; como o direito à educação gratuita no país, cada vez mais incentivando políticas que introduzem, até mesmo nas instituições públicas, mecanismos de pagamento de cursos (cursos pagos), propostas como a do PLP 92/07, que procura transformar todos os órgãos do Estado que cuidam dos direitos sociais, como, saúde, educação, transporte, a serem realizados por meio de entidades privadas, fundações privadas.
 
Enfim, o Conad discutiu as maneiras que o Sindicato Nacional deverá implementar a luta do ANDES nessas diferentes questões que vão muito além dos interesses corporativos dos trabalhadores das universidades, dos docentes, dos funcionários, e como defender as políticas adequadas para a universidade e condições adequadas de trabalho acadêmico, essas são sem dúvida nenhuma as prioridades que temos para este momento do Sindicato Nacional.
 
Imprensa – Há setores dos movimentos sindical e popular que questionam esse posicionamento do Andes com relação às mobilizações contrárias ao governo. Há setores que afirmam que em nenhum outro governo os trabalhadores tiveram tanta facilidade para fazer, por exemplo, greves. Que exemplos dessa repressão podemos citar que justifiquem esse posicionamento do Andes?

Ciro Correia – Eventualmente, houve sim movimentos grevistas importantes, justamente pela intransigência do governo de estabelecer negociação com os diferentes setores do funcionalismo e, em muitos desses movimentos, o governo buscou reprimir essas greves por meio, em primeiro lugar, de ameaças administrativas que cerceiam o direito de greve; em segundo, pela provocação dos tribunais superiores no sentido de não apenas eles apreciassem aquilo que está contemplado na legislação, que essa greve é abusiva ou não, mas se a greve é legal ou ilegal, no entanto o direito de greve está previsto na Constituição, assim, toda greve é legal. Mais recentemente, esse tipo de prática tem ficado mais preocupante, uma vez que, como na recente greve nacional da previdência, se não me engano, o governo, antes de a greve ser deflagrada, buscou manifestação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e um dos juízes deu uma decisão monocrática, decretando a ilegalidade da greve, que ela não poderia ocorrer e, onde ela fosse iniciada, a confederação ou o sindicato local estaria submetido a uma multa diária de R$ 100 mil.
 
As entidades se organizaram, recorreram dessa decisão monocrática e o Pleno do STJ ratificou a decisão do juiz. Portanto, isso é uma interferência jamais vista neste país em relação ao direito de greve por meio da judicialização e uma discussão que se dá no campo dos direitos fundamentais tratados na Constituição do país. Essa avaliação de que o governo não apenas tem respeitado as greves carece de fundamentação com base nas ações concretas do governo.
 
INTERVENÇÃO NO MOVIMENTO E REFORMA UNIVERSITÁRIA

Imprensa – Como tem sido essa intervenção no movimento docente?

Ciro Correia – Por meio das administrações universitárias, com o respaldo governamental, seja do governo dos estados ou federal. Procuram, justamente mediante sentenças judiciais e processos muitas vezes individuais sobre lideranças sindicais ou lideranças do movimento, porque muitas vezes o movimento é movimento estudantil, criminalizar o movimento entrando com ações judiciais de responsabilização individual por decisões e ações coletivas de caráter totalmente reivindicatório durante as greves. Isso aconteceu quando estudantes do país inteiro se contrapuseram às propostas ou à imposição das propostas e do cronograma de deliberação das “propostas” (entre aspas) do governo de implantação do programa REUNI nas universidades federais, isso aconteceu há dois meses durante a greve das estaduais paulistas na USP. Infelizmente, estamos vivendo um momento sem paralelo de ataque efetivo e prático ao direito de mobilização social ao exercício do direito de greve no setor público.
 
Imprensa – Como é essa intervenção no setor privado?

Ciro Correia – No setor privado, então, esse problema é muito maior porque a regulamentação existente nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é muito limitada, permite a interferência do patronato privado e do judiciário no julgamento se a greve é abusiva ou não e os parâmetros desse julgamento estão longe de seguirem as necessidades sociais e o desrespeito aos mais elementares procedimentos públicos e garantia de salário e recomposição. No meio privado, o assédio moral, a pressão direta sobre os trabalhadores, e, no caso das universidades, dos professores que têm relações de trabalho totalmente precarizadas, muitas vezes sem contratos assinados ou com contratos assinados por tempo muito curto, que é absolutamente sem garantias dos mais elementares direitos trabalhistas e perseguição e demissão de todos aqueles que tentam organizar entidades sindicais do setor privado.
 
Essa é uma das dificuldades do ANDES em ampliar a sua representatividade nesse setor: as pessoas têm medo de se organizar em sindicatos pela demissão que se segue, e os marcos legais vigentes não permitem reparar e nem reverter judicialmente. Ou seja, efetivamente, quer seja no campo privado num grau muito grande, quer seja na esfera pública, cada vez mais o governo tem procurado criar mecanismos e isso passa por demandas ao judiciário que impeçam, quando não criminalizem, o efetivo exercício do direito de greve.
 
Imprensa – No discurso de abertura do 54º Conad, o senhor destacou o resgate do registro sindical como uma das principais vitórias do ANDES. Por quê?

Ciro Correia – No governo Lula setores do movimento sindical, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), abandonaram vários princípios para apoiar as ações do governo, como, por exemplo, a independência de patronato, de partidos políticos e passou a atuar como que legitimadores das propostas do governo para a sociedade e para os trabalhadores. Passou-se a incentivar as demais entidades sindicais a fazer o papel de entidades colaboracionistas e de cooperação com o governo em assinatura de acordos para evitar greves, mas esses acordos não se colocavam nos marcos de favorecer a categoria.
 
O Andes-SN, como tem a postura totalmente independente na crítica e na análise que faz de propostas governamentais ou de propostas efetivas de carreira e de salário, bem como de se apresentar nas mesas de negociações disposto a negociar, contudo, nos marcos daquilo que foi discutido pela direção com a categoria, o governo acabou procurando fazer algo considerado inaceitável até por órgãos internacionais como a OIT: ele passou a fomentar uma divisão de representação dentro da categoria, a favorecer em termos práticos a constituição de uma entidade que se pautasse na relação com o governo no marco da colaboração e da cooperação e não no marco da independência que a entidade sindical precisa ter. Desse esforço surgiu, primeiro, o Fórum dos Professores das Universidades Federais e, depois, a tentativa de transformar esse fórum num sindicato nacional que ocupasse o lugar do ANDES, pelo menos no caráter oficial, uma vez que, também no governo Lula, de modo arbitrário, o registro sindical do ANDES foi suspenso.
 
 
REGISTRO SINDICAL E SUAS IMPLICAÇÕES

Imprensa – E por que o governo federal decidiu rever essa suspensão e conceder o registro sindical ao ANDES?

Ciro Correia – Em resposta à categoria, ao meio intelectual, à comunidade acadêmica, a outros movimentos sociais, à reação conjunta das entidades que se organizam na Conlutas, às manifestações de entidades ligadas ao setor de educação no Brasil e no exterior, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), numa atitude sensível e responsável diante da legitimidade que ele viu que o ANDES tinha, reverteu essa decisão, o que levou à superação da suspensão do registro sindical, num primeiro momento, para o setor público. Existem, ainda, questionamentos em análise judicial em relação à nossa representação no setor privado, e não temos dúvida nenhuma de que temos direito. Já tivemos esse direito reconhecido em decisões de tribunais superiores, como o STJ e Superior Tribunal Federal (STF),  nos anos 1990, e que vamos continuar lutando para regularizar, assim como conseguimos a regularização agora para o setor público.
 
Diante desse quadro, o principal argumento dos oportunistas que primeiro, arbitrariamente, tiraram-nos o registro sindical para, num segundo momento, tentar ocupar esse espaço, com favorecimento de setores do governo, ficou dificultado, ficou bloqueado e isso dá um caráter mais facilitador agora à nossa ação e ao estabelecimento de políticas de como trabalhar com a categoria, as nossas pautas e defesas que fazemos, seja de políticas gerais para a universidade, seja de políticas específicas em relação a direitos trabalhistas, previdenciários da categoria, também do ponto de vista legal, porque agora superamos essa limitação.
 
Imprensa – O 54º Conad destacou também a necessidade de o movimento sindical docente se organizar para impedir a intervenção do governo federal no Plano Nacional de Educação.

Ciro Correia – Infelizmente o Brasil investe muito pouco em educação e é por isso que o sistema educacional brasileiro não dá conta da demanda do ensino infantil, fundamental, médio ou superior como deveria qualquer país que pretende mudar seu patamar de formação e de desenvolvimento. Enquanto o financiamento da educação nos países que investiram em educação durante anos, ao longo da primeira metade do século passado, deu-se em patamares entre 7%, 8% e até 13%, 14% do PIB e depois que o sistema se universalizou esse patamar de financiamento caiu para entre 5% e 7% do PIB do país, o Brasil, ao longo do século passado, investiu na educação, em geral, percentuais por volta de 2% a 2,5% do PIB. É por isso que temos um déficit educacional muito grande.
 
Nos anos 1990, várias entidades brasileiras ligadas a movimentos sociais na educação fizeram movimentos, dentre elas o ANDES, e construíram o Plano Nacional da Educação (PNE) – proposta da sociedade brasileira apresentada ao Congresso Nacional em 1998. Esse PNE, além de metas, objetivos e de propostas de caráter pedagógicos, de organização e de distribuição de escolas em função da distribuição de municípios, da situação dos estados – só para deixar claro que ele não era algo que se resumisse a propostas de financiamento – no que dizia respeito a financiamento, ele, estabeleceu a necessidade de o governo brasileiro, o país, passasse a investir em educação, ou seja, saísse dos 2,5% da época e num prazo de dez anos – porque um processo desse precisa ser paulatino – chegasse a 10% do PIB para a educação. Mas o governo FHC, por meio do Congresso Nacional, sancionou outro plano, bem mais limitado que o PNE da sociedade brasileira e o fez com vetos à todos os itens que implicassem comprometimento econômico. Apenas para se ter uma idéia, a meta do PNE do governo é para chegar a 7% do PIB no prazo de dez anos.
 
Deixou o plano sem viabilidade porque, sem financiamento, ele não é exeqüível. O governo Lula foi eleito, mesmo tendo modificado muitos itens do seu programa, com o compromisso de derrubar os vetos de FHC ao PNE. E nem esse compromisso ele manteve. Ele não derrubou os vetos, tirou isso da agenda e, uma vez que ele sabe – como os governos em geral sabem – que a população sabe que a educação é uma coisa importante, para se justificar, ele passou a tentar implantar uma série de outras propostas para a educação, e todas elas têm mais um caráter de dar conta de fazer uma propaganda de que o governo está cuidando da questão do que de efetivamente resolver o problema, uma vez que todas essa propostas visam, em síntese, a não aumentar, de forma significativa, o financiamento para a educação.
 
O financiamento para a educação aumentou um pouco no país de 1998 para cá. Saímos do patamar de 2,5%, 2,7% do PIB e para um patamar de 3% e 3,5% em educação. Continua totalmente insuficiente. O governo alega que chegamos a 4% do PIB em educação, mas para chegar nesses 4%, que também são insuficientes, ele contabiliza, na conta da educação, gastos que não são da educação, tais como com infra-estrutura, por exemplo, gastos com hospitais universitários que deveriam ir não vinculados a ensino, mas vinculados a atendimentos do SUS e que deveria entrar em gasto com saúde; pagamento de pensão e aposentadorias, que não são gastos com educação, e sim previdenciários; e assim por diante. Ainda assim, o financiamento é insuficiente para dar conta da realidade educacional, que é o que o pais precisa.
 
Com esse pequeno aumento de financiamento o governo criou algumas novas instituições e fez uma inflexão, porque nos anos do governo FHC o valor atualizado do financiamento, descontada a inflação, chegou a cair, e o número de professores pela não reposição de quadros para as vagas das pessoas que abandonaram a carreira por causa das condições de salários inadequadas também diminuiu. No governo Lula, há uma pequena inflexão positiva no sentindo de começar a ter algum crescimento de novo do número de professores e de funcionários públicos, em geral, e um pequeno aumento do financiamento. Contudo, isso ainda é insuficiente para mudar essa realidade, visto que em paralelo a isso, vem aprovando metas e obrigações para a educação em geral e para as universidades em particular, que, se cumpridas, fazem com que caia a qualidade do que é feito nas universidades.
 
É uma política perversa que dá ao governo a desculpa de que ele aumentou as verbas, que foi feita uma expansão e que está se contratando novos professores e funcionários. Mas, enquanto ele faz crescer 1%, 2%, 3% o financiamento para a educação e o número de docentes, ele determina uma meta de dobrar o número de alunos. E assim ele superexplora a força de trabalho instalada, o que implica perda de benefício e sobrecarga de trabalho e em queda da qualidade.
 
Imprensa – O fim da dedicação exclusiva proposto pelo governo faz parte dessa política?

Ciro Correia – Sim. Tudo isso faz parte do mesmo projeto. Dobra o número de alunos. Então, ele inflaciona o número de matrículas feitas, atende à demanda de fazer propaganda e mandar números para organismos internacionais, mas promove, na verdade, uma desconstrução daquilo que é a universidade porque a universidade precisa ter uma relação menor de alunos e docentes, justamente porque o docente, numa universidade, não num escolão de ensino superior, faz pesquisa, dedica-se a projetos de extensão, cuida da administração, cuida de laboratório, dentre outras coisas. É isso que o governo vem desconstruindo de modo pior do que governos anteriores. É por isso que o pequeno aumento de instituições, de vagas e de contratações, não compensa o estrago que o governo está fazendo naquilo que efetivamente é a forma de se trabalhar na universidade e da infra-estrutura que ela precisa ter.
 
Imprensa – Por que o Andes tem de concentrar esforços para combater o PLP 92/07?

Ciro Correia – A questão do PLP 92/07 vem também no contexto dessa ação, que já era presente na universidade, de o governo se desobrigar do financiamento maciço, por um lado, e, por outro, procurar usar a universidade para interesse do mercado, com a desculpa de que se abre possibilidades para que setores do comércio, da indústria, do setor financeiro contratem a universidade para execução de projetos específicos isso traz algum recurso para a universidade e, para isso, o governo criou a figura das fundações privadas, que se autodenominam “de apoio” e atuam dentro das universidades fazendo contratos com o setor privado para serem executados pela estrutura da universidade.
 
O estudo desses contratos mostra que, em geral, eles nada têm de acadêmico. O estudo mostra que o que acontece é que se desvia a força de trabalho que deveria desenvolver pesquisa e conhecimento de acesso coletivo para trabalhar em demandas específicas de um setor que tem poder econômico na sociedade: isso não causa o desenvolvimento da sociedade como um todo e desvia da sua função uma parte importante da força de trabalho que existe na universidade.
 
Isso é a fundação privada de apoio atuando, mas eu quero dizer que essa perspectiva é a mesma que aparece no PLP 92/07, de forma muito mais generalizada. Ele precariza as relações porque ele paga um salário pequeno dizendo que o docente pode complementar o salário com o trabalho feito na fundação. Só que essa complementação não resolve o problema previdenciário futuro, não traz segurança para que o docente possa se dedicar efetivamente à sua função e o põe para fazer algo que não é a sua função. Portanto, disponibiliza a infra-estrutura pública para servir a interesses setorizados da sociedade e não ao interesse global.
 
Não satisfeito com isso que está em curso na universidade, que a gente briga para acabar, este governo teve o desplante de fazer uma proposta de transformar todos os setores de obrigação social do governo, que são funções inerentes ao Estado – em qualquer organização republicana que faz a separação do público e do privado e estabelece ao governo a responsabilidade de prover para a sociedade, por meio do recolhimento de impostos, aquilo que é direito social fundamental, como o direito à educação, à saúde, à  previdência, à assistência social, à segurança pública, ao transporte e ao lazer, – mediante o PLP 92/07 em tarefas que possam ser feitas pela intermediação de fundações, agora, estatais de direito privado.
 
Mas se são de direito privado, atuam de acordo com a legislação privada com a lógica mercantil e por intermédio de contratações temporárias via CLT. Ou seja, o governo faz uma proposta de desconstruir tudo aquilo que está organizado na nossa estrutura republicana na área de saúde, seja nos ministérios ou nas secretarias dos estados, na área do transporte, de esportes e lazer, da previdência etc. e transfere isso para mecanismos privados, numa proposta de desconstruir a nossa estrutura republicana e tornar o Estado mínimo, sem precedentes, que criaria inveja na Margareth Thatcher há 30 anos, no governo Ronald Reagan, nos EUA, que começaram com esse discurso do Estado mínimo, mas mínimo para aquilo que o Estado tem de cumprir com a população e máximo para quem tem poder econômico para comprar a infra-estrutura instalada no Estado e submetê-la a seu interesse. É por isso que, assim como a gente luta contra as fundações privadas nas universidades, a gente luta contra essa proposta que desconstrói a estrutura do Estado como um todo.