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Audiência Pública de delegação haitiana no Senado mostra caráter repressor das Forças de Paz da ONU

Depois de denunciarem ao Senado Federal o caráter repressor da Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti – Minustah (sigla derivada do francês: Mission des Nations Unies pour la stabilisation en Haïti), os haitianos Didier Dominique e Frantz Dupuche falaram ao InformANDES Online sobre a luta daquele povo por um novo salário mínimo, denunciando, mais uma vez, a utilização das missão da ONU como instrumento de repressão pela “burguesia têxtil”.

Sobre a audiência pública realizada em 17/6 no Senado, o membro da Central Sindical e Popular Batay Ouvrier Didier Dominique afirmou: “é sempre útil falar com os parlamentares, porém, não sabemos o peso que pode ter essa comissão [Relações Exteriores e Defesa Nacional] dentro do parlamento, tampouco a proporção de senadores realmente progressistas”.

Dominique afirma que a indústria têxtil do Haiti é a principal responsável pela “implantação de um projeto de extrema exploração dos trabalhadores, e as forças armadas da Minustah asseguram esse projeto de exploração”. No início deste mês, várias manifestações de trabalhadores e estudantes haitianos foram violentamente reprimidas pela Minustah e pela polícia, o que resultou em mortes, dezenas de feridos e presos. Dominique conta que essas forças invadiram universidades e um hospital, onde causaram a morte de um recém-nascido e de um homem, além de intoxicarem dezenas de pacientes e seus acompanhantes com gás lacrimogêneo.
Os estudantes e trabalhadores foram às ruas cobrar a promulgação da lei aprovada em abril pelo Congresso Nacional do Haiti que reajusta o salário mínimo (congelado desde 2003) para cerca de US$ 4 (R$ 7,80) diários. O valor atual é de US$ 1,7 (R$ 2,30) diários. “O governo, influenciado pelas organizações patronais”, conforme o ativista, se nega a implantar a lei, o que causou a reação da população mais empobrecida das Américas. As manifestações pelo Dia Internacional do Trabalhador (1º de maio) também foram violentamente reprimidas, segundo Dominique. Esses episódios foram narrados pela comissão da Conlutas, presente no país naqueles dias.

Dominique e Dupuche classificam os atos como “totalmente inaceitáveis”. “Para manter a superexploração da mão de obra mais barata das Américas e uma das mais baratas do mundo, a classe patronal quer implantar essa paz de cemitério, como dizemos no Haiti”, afirmam. Durante a audiência no Senado, os ativistas haitianos entregaram aos senadores dossiês e fotos que comprovam suas denúncias. “Eles disseram que vão pensar numa nova missão de parlamentares para comprovar nossas denúncias. Nós esperamos que isso aconteça”, afirma Dominique.

Há alguns dias, o ministro das Relações Internacionais, Celso Amorim, afirmou à imprensa que a retirada das tropas brasileiras do Haiti não depende do país, mas da ONU. Sobre essa afirmação, Dominique pondera: “para nós, a ONU segue claramente as ordens norte-americanas. As principais mutilnacionais têxteis são norte-americanas e canadenses, como, por exemplo, Wrangler, Gildan, GAP, Nike etc., e vão ao Haiti explorar a mão de obra mediante gerentes haitianos, com aval do governo lacaio”.

Para Dominique, há duas lógicas claras em oposição hoje no seu país: uma repressora e outra de resistência. “A Minustah optou por apoiar a lógica opressora, por isso a consideramos criminosa e exigimos sua saída o mais rápido possível”. Os ativistas já estiveram na Argentina, um dos países que colaboram com a missão da ONU, onde denunciaram a violência contra o povo ao ministério das relações exteriores. “Também estivemos no Uruguai, mas o parlamento daquele país rechaçou nos receber”.

A Minustah está no Haiti há cinco anos. Na entrevista, relatei a Dominique que os brasileiros tendem a ver as tropas brasileiras que compõem a Minustah como heróicas. Perguntei a ele se é difícil combater essa idéia romântica que a maioria de nós temos, ao que ele foi taxativo em afirmar que não. “Bastar ir ao Haiti para comprovar o que estamos denunciando, pois isso não acontece às escondidas e é freqüente”.

Dominique afirma que no início da ocupação o povo haitiano amava as tropas brasileiras. “Eles chegaram junto com a seleção brasileira de futebol, que é muito amada pelo povo haitiano. Então, o povo foi para as ruas receber o presidente Lula e a seleção com um entusiasmo tremendo. Os atletas saíram do aeroporto a caminho do estádio [onde jogaram com o time haitiano] nos tanques militares da missão da ONU, o que é uma associação interessante. Naquele dia, o povo ainda não sabia da razão e da prática repressiva da Minustah. Agora, que essa razão está clara, o povo sente ódio pelos soldados da Minustah”.

Audiência provocou no Senado uma discussão diferente da dominante sobre o papel da Minustah

Para o 1º vice-presidente do ANDES-SN, Antônio Lisboa, a audiência realizada no Senado teve um papel importante porque provocou a discussão de um ponto de vista totalmente diferente do da ONU e do governo brasileiro. Ele representou a Conlutas na audiência pública. “Acho que provocou uma certa sensibilização dentro da comissão de relações exteriores ao fazer os senadores perceberem a necessidade de uma nova missão parlamentar ao Haiti, na qual terão que ouvir os movimentos sociais organizados e seus pontos de vista diferentes do governo de René Préval.”

Para Lisboa, a audiência também deixou claro que há um conjunto de organizações sociais no Brasil que têm desenvolvido uma relação solidária com os movimentos sociais do Haiti, e que contribuem para elevar o patamar da discussão sobre as contradições que estão postas pela atuação da Minustah. “O papel ao qual o Brasil tem se prestado é claramente imperialista, de fazer valer os interesses econômicos em detrimento dos interesses sociais. A situação de desestruturação e miséria que vivida pelo povo haitiano não será resolvida pela via da militarização. Essa repressão dificulta o desenvolvimento da democracia naquele país.

Para Lisboa, a audiência também gerou um novo desafio para os movimentos sociais brasileiros, que é o de dar continuidade à ação solidária com os movimentos sociais haitianos dos demais países da América Latina. “Há situações semelhantes de repressão vividas por populações de países como o Peru – onde houve uma matança de trabalhadores indígenas que protestavam contra a privatização da Amazônia peruana, o Equador e o Uruguai, por exemplo.

Antônio Lisboa ainda pondera sobre a participação do ANDES-SN nessa relação solidária com o povo haitiano: “acho que isso enriquece não só o entendimento que o movimento docente passa a ter sobre a situação do Haiti, mas também fortalece o papel que o ANDES-SN tem desenvolvido na reorganização dos trabalhadores, o que é bom para a Conlutas e para o próprio Sindicato Nacional”.

Indústrias brasileiras também exploram a mão de obra haitiana

Em agosto do ano passado, o jornal Valor Econômico trazia uma notícia sobre o interesse da indústria brasileira no Haiti. Segundo o jornal “duas gigantes” estavam prestes a se instalar no país: a Coteminas, que pretendia utilizar o Haiti como plataforma de exportação de confecção para os Estados Unidos, e a OAS, que havia vencido uma licitação para pavimentar uma rodovia.

A reportagem afirmava que os benefícios de uma fábrica da Coteminas para um país pobre como o Haiti são óbvios. “Cerca de 80% da população está desempregada. O governo brasileiro também sai ganhando. A saída das forças de paz está relacionada à segurança e ao desenvolvimento econômico", avaliou o embaixador do Brasil no Haiti, Igor Kipman.

A vantagens estipuladas pelo jornal para a exploração econômica do Haiti são a proximidade e o acesso diferenciado ao maior mercado do mundo, os Estados Unidos, e a mão-de-obra barata. “Uma costureira, na capital Porto Príncipe, recebe US$ 0,50 por hora. É uma remuneração inferior aos US$ 3,27 pagos no Brasil e muito abaixo dos US$ 16,92 dos EUA, conforme a consultoria Werner. O valor é inferior até aos US$ 0,85 pagos no litoral da China e perde apenas para os US$ 0,46 do Vietnã e os US$ 0,28 de Bangladesh”