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UNIVERSIDADE, PODER E EDUCAÇÃO

                                Alex Fabiano Correia Jardim[1]

 

                A Universidade na modernidade foi se constituindo enquanto campo de visibilidade, espaço/escolar para o exercício de uma vontade de verdade e, consequentemente, para exercício do poder. Lugar privilegiado da morada da verdade: onde se observa, classifica, regula, mensura e se obtém resultados técnicos, basta vermos a quantidade de projetos, planejamento, propostas que os governos apresentam de tempo em tempo na intenção de vincular educação e cultura, implicando cultura e utilidade. Todos nós, professores e alunos, estamos envolvidos e implicados nas complexas relações de poder que fazem parte do organismo chamado de Universidade. Mas, torna-se insuficiente acreditar num conceito de poder apoiado única e exclusivamente nos aparelhos jurídicos que são de certa forma, a garantia da legitimidade de um poder central, representados talvez por um Governante ou seu braço mais direto na Universidade, um Reitor com seus vários dispositivos de operacionalização. Necessitamos, portanto, de uma outra maneira de se pensar o poder, desvinculado da centralidade da figura do Estado ou despersonalizado de um “eu”. Certamente esses instrumentos são inadequados e insuficientes em nossa reflexão. Uma nova noção de poder é preciso para podermos pensar a construção do que chamamos de subjetividade na educação ou na prática formativa e dos vários elementos que a preenchem (professores e alunos). Tal perspectiva será de grande importância, pois, encaramos o espaço formativo que é a Universidade como sendo um dos caminhos enquanto condição de possibilidade de formação, produção e resistência aos enunciados desse poder.

O poder não é algo que se detém, se apropria, mas sim, como algo que se exerce por relações de força de forma difusa; como multiplicidade e campos de resistência. Dessa maneira, retiramos do poder toda impressão de negatividade, dando-lhe uma positividade, uma produtividade rumo às constantes emergências, de novas lutas e movimentos sociais. Ora, o poder é tão produtivo, que através do seu exercício e das configurações que são subjacentes a tal movimento faz surgir novas configurações, novas visibilidades, novos indivíduos-sujeitos enquanto efeitos de uma maquinaria social que envolve todo o tecido social, numa multiplicidade de relações de força. A Universidade e seu saber se instalam como uma das melhores formas de controlar os discursos de verdade, além de ser também o meio privilegiado em que saber e poder estão mais explícitos para a implantação de uma técnica institucional: de vigilância, de hierarquia, de disciplina e de controle. Dessa maneira, falarmos de uma educação universitária como espaço neutro ou morto no desenvolvimento das relações sociais, ou das relações entre os indivíduos é um grave engano. Muito pelo contrário, o espaço formativo universitário é um campo aberto, cortado pelas relações de poder que passam desde os primeiros passos da aprendizagem, onde o poder regula, produz, molda indivíduos, fabrica imagens-modelos e avalia. Objetivam o professor e o aluno em função de um discurso de modernidade, rendimento, produtividade e eficácia. No modelo que nos deparamos na Universidade (publica ou privada), com suas infinitas estratégias visando à produção incessante, o corpo (do professor e do aluno) passa a ser visto como força produtiva, e todos os corpos devem ser bem preparados para assumirem a sua função no novo cenário que se apresenta; aqui mais uma vez o poder assume seu caráter transformador e positivo. O corpo como alvo de materialização e efeitos do poder, colocado sobre a exigência da produção, de um fazer, por vezes, despossuído de prazer e de alegria ou até mesmo do pleno exercício do pensamento e sua fundamentação crítica, atualizada, reflexiva e construtiva. Este cotidiano universitário com suas demais práticas institucionais e dispositivos tem a função de desarticular e recompor as forças do corpo e da alma em função da idéia que se tem a respeito do que é pertencer à Universidade: conhecimento é diferente de pensamento; consumir é diferente de realizar um trabalho de reflexão. O que mais ouvimos nesse meio são as expressões: “professor produtivo” e “aluno produtivo”. Neste sentido, o rendimento é um fim, a burocracia como meio e as leis do mercado como condição, isto é, a Universidade está organizada conforme o modelo de uma empresa: como eu devo agir, como eu devo produzir, como eu devo fazer. Tudo isso a partir de uma aplicação severa de métodos que promovem novas maneiras de agir sobre o corpo, atuando sobre o tempo, a redistribuição do espaço, o isolamento, o horário de controle das atividades. A educação na Universidade em sua forma visível e dizível possui uma racionalidade e ajustam em seu espaço cada indivíduo (professor ou aluno) para melhor dominar seu tempo, seu corpo, seus afetos, através dos dispositivos institucionais e pedagógicos: divisão por classes, séries, avaliações, exames, relatórios, etc., estabelecendo padrões e normas pela vigilância constante, pelo olhar da aprovação ou da reprovação. A “governamentalidade” significa nesse espaço particular da Universidade, toda série de ações em direção à apropriação e condição das formas de pensar, de agir e de viver dos sujeitos envolvidos nessa relação. Isso nos mostra que todos os sujeitos estão implicados nesse jogo, significando que a qualidade do pensamento e seu exercício, será dado de acordo às estratégias de controle e subjetivação, tornando professores e alunos desprovidos de reflexão crítica e entregues à razão governamental. Apesar das constantes críticas que apresentamos até agora, não podemos nos deter num ressentimento que nos provoque um sentimento de culpa e até mesmo passividade em relação às formas de controle existentes na sociedade. É preciso nos deslocar para outro eixo, totalmente afirmativo e de mudança de perspectiva. A ruptura com os valores de antemão estabelecidos, acarretando numa transgressão do instituído. E a ação de transgredir significa a constituição de um novo corpo, reterritorializando o espaço da Universidade enquanto espaço de desejo, ou seja, muito menos que uma verdade-aceitação do que uma aguda percepção de uma verdade-problema. É dentro desse espaço formativo que poderemos efetuar um descolamento do indivíduo aluno e professor dos mecanismos de subjetivação que os controla e os sufoca. É neste espaço que as resistências se tornam necessárias. Precisamos partir para ações que têm em seu pensamento, a idéia de pluralidade ou de multiplicidade das diferenças. Levar aos educandos e educadores a enxergar as redes de dominação existentes, (na Universidade, por exemplo). É necessário que se coloque sob o “fio da navalha”: o instituído, o instituinte, os mecanismos e os dispositivos de dominação existentes. Só assim estabeleceremos condições de possibilidades para o exercício do pensar. Essa sorte de transgressão de que falamos é de caráter político e ético. Essa ética busca enxergar no interior da Universidade o jogo de forças que está impresso nas relações, jogo por sinal, agonístico, que envolve uma tensão coletiva entre as forças do educador, do educando e da gestão da instituição A mudança de valores no âmbito da Universidade forçar a abertura de um caminho: o de pensar criticamente por si mesmo.  E criar condições para que tal prática se afirme é necessária acima de tudo, uma tarefa educativa. A questão é: ou buscamos novas armas ou nos refugiamos no silêncio. Mas precisamos vencer a melancolia do espaço-universidade, ou então, como disse LARROSA a respeito dos heróis das novelas de Peter Handke, “simplesmente, a possibilidade de ler de novo o mundo com olhos limpos e de lhe dar de novo um sentido”.

 

 



[1] Professor Doutor do Departamento de Filosofia e do Programa de Mestrado em Estudos Literarios da Universidade Estadual de Montes Claros/ Unimontes. E-mail:alex.jardim38@hotmail.com